A propósito da apresentação da extraordinária edição clonada da Mensagem de Fernando Pessoa que a Guimarães Editores lançou no dia 1 de Dezembro, data em que se completaram 75 anos sobre a sua publicação, participei com Eduardo Lourenço e Manuel Alegre numa mesa redonda, moderada por Carlos Vaz Marques, sobre Pessoa e o sonho do supra-Camões. Por me parecer que neste Dezembro e nesta época do Natal do nosso descontentamento, o melhor ainda é reflectir sobre alguns temas ligados à nossa identidade tal como foram espelhados em grandes obras literárias, organizo aqui as notas por que a minha intervenção se orientou, dedicando-as àqueles meus amigos e a Paulo Teixeira Pinto, não sem dizer, para que conste como declaração de interesses, que pertenço ao Conselho Editorial da empresa editora e que esta acaba de publicar um livro de minha autoria.
Numa perspectiva histórica e literária, é interessante abordar a Mensagem a partir de duas questões: a primeira é a das suas relações com dois livros de Mário Beirão, O último lusíada (que é de 1913) e a Lusitânia (que é de 1917, depois revisto em 1964). A segunda é a da relação de Fernando Pessoa (e também de Álvaro de Campos) com a obra de Luís de Camões.
As respostas a essas questões não têm sido muito desenvolvidas. Há, sem dúvida, aqui e ali alusões às relações de Pessoa com Mário Beirão e à admiração que por ele tinha; e são conhecidos artigos de Pessoa na Águia que disso dão testemunho e cartas dele para Beirão entre 1912 e 1914. Por singular coincidência, Mário Beirão veio a fazer parte do júri que atribuiu a Pessoa o Prémio Antero de Quental na categoria "poema ou poesia solta".
David Mourão-Ferreira nota a importância de Beirão para a poesia de Pessoa, dizendo que, através de um dos veios da sua poesia, se manifesta naquele "o mais directo precursor do Fernando Pessoa da Mensagem".
É esta uma perspectiva que interessaria desenvolver. Remetendo para o importantíssimo estudo que José Carlos Seabra Pereira consagra a Mário Beirão, a anteceder as Poesias completas deste, parece-me relevante salientar proximidades entre, por exemplo, o poema "Sagres" de Lusitânia e o Infante de Mensagem: "(…) E há um instante supremo em que ele cuida / Suster nas mãos o mundo; / Mas lenta e fluida,/ Discorre a noite pelo mar profundo…/ (…)", diz-se no primeiro, sendo este, sem dúvida, um passo a confrontar com: "Em seu trono entre o brilho das esferas, / Com seu manto de noite e solidão,/ Tem aos pés o mar novo e as mortas eras -…/ O único imperador que tem deveras / O globo do mundo em sua mão" (Mensagem).
Outras proximidades começam, desde logo, com a própria evocação de vultos históricos que é feita nas duas obras. Mas, enquanto o conjunto de Mário Beirão começa em Nun'Álvares e vem até António Nobre, passando por Gil Vicente, Bernardim, Camões, Fr. Agostinho da Cruz, Bocage, Castilho, Camilo, João de Deus, Antero e Oliveira Martins, já o de Pessoa, na Mensagem, começa em Ulisses e em Viriato (origem mítica e origem histórica), passando pelos fundadores da primeira e da segunda dinastias e pelos filhos varões de D. João I, por Nun'Álvares e por mais uma série de figuras cuja série se detém em António Vieira.
Parece que Fernando Pessoa quis fazer a primeira metade de uma galeria que Mário Beirão tinha trazido do século XV até às portas do século XX, havendo umas cinco ou seis figuras coincidentes nos dois casos, isto é, uma sobreposição que cobre mais ou menos o centro do período histórico respeitante à nacionalidade portuguesa.
É evidente que há, da parte de Mário Beirão, um aproveitamento da História e um recorte dos seus protagonistas muito diferentes dos de Fernando Pessoa. Mas há pontos de contacto importantes. E em ambos os autores há um certo tipo de sebastianismo, mais romântico e fluidamente lírico em Mário Beirão, mais carlyliano, com passagem pelo Oliveira Martins da História de Portugal e de Os filhos de D. João I, e de propensão mais abstractizante em Pessoa. Quanto ao Sebastianismo de Pessoa, ele próprio, em 1935, escreve a Casais Monteiro: "Sou, de facto, um nacionalista místico, um sebastianista racional. Mas sou, à parte isso, e até em contradição com isso, muitas outras coisas." (Continua)
Numa perspectiva histórica e literária, é interessante abordar a Mensagem a partir de duas questões: a primeira é a das suas relações com dois livros de Mário Beirão, O último lusíada (que é de 1913) e a Lusitânia (que é de 1917, depois revisto em 1964). A segunda é a da relação de Fernando Pessoa (e também de Álvaro de Campos) com a obra de Luís de Camões.
As respostas a essas questões não têm sido muito desenvolvidas. Há, sem dúvida, aqui e ali alusões às relações de Pessoa com Mário Beirão e à admiração que por ele tinha; e são conhecidos artigos de Pessoa na Águia que disso dão testemunho e cartas dele para Beirão entre 1912 e 1914. Por singular coincidência, Mário Beirão veio a fazer parte do júri que atribuiu a Pessoa o Prémio Antero de Quental na categoria "poema ou poesia solta".
David Mourão-Ferreira nota a importância de Beirão para a poesia de Pessoa, dizendo que, através de um dos veios da sua poesia, se manifesta naquele "o mais directo precursor do Fernando Pessoa da Mensagem".
É esta uma perspectiva que interessaria desenvolver. Remetendo para o importantíssimo estudo que José Carlos Seabra Pereira consagra a Mário Beirão, a anteceder as Poesias completas deste, parece-me relevante salientar proximidades entre, por exemplo, o poema "Sagres" de Lusitânia e o Infante de Mensagem: "(…) E há um instante supremo em que ele cuida / Suster nas mãos o mundo; / Mas lenta e fluida,/ Discorre a noite pelo mar profundo…/ (…)", diz-se no primeiro, sendo este, sem dúvida, um passo a confrontar com: "Em seu trono entre o brilho das esferas, / Com seu manto de noite e solidão,/ Tem aos pés o mar novo e as mortas eras -…/ O único imperador que tem deveras / O globo do mundo em sua mão" (Mensagem).
Outras proximidades começam, desde logo, com a própria evocação de vultos históricos que é feita nas duas obras. Mas, enquanto o conjunto de Mário Beirão começa em Nun'Álvares e vem até António Nobre, passando por Gil Vicente, Bernardim, Camões, Fr. Agostinho da Cruz, Bocage, Castilho, Camilo, João de Deus, Antero e Oliveira Martins, já o de Pessoa, na Mensagem, começa em Ulisses e em Viriato (origem mítica e origem histórica), passando pelos fundadores da primeira e da segunda dinastias e pelos filhos varões de D. João I, por Nun'Álvares e por mais uma série de figuras cuja série se detém em António Vieira.
Parece que Fernando Pessoa quis fazer a primeira metade de uma galeria que Mário Beirão tinha trazido do século XV até às portas do século XX, havendo umas cinco ou seis figuras coincidentes nos dois casos, isto é, uma sobreposição que cobre mais ou menos o centro do período histórico respeitante à nacionalidade portuguesa.
É evidente que há, da parte de Mário Beirão, um aproveitamento da História e um recorte dos seus protagonistas muito diferentes dos de Fernando Pessoa. Mas há pontos de contacto importantes. E em ambos os autores há um certo tipo de sebastianismo, mais romântico e fluidamente lírico em Mário Beirão, mais carlyliano, com passagem pelo Oliveira Martins da História de Portugal e de Os filhos de D. João I, e de propensão mais abstractizante em Pessoa. Quanto ao Sebastianismo de Pessoa, ele próprio, em 1935, escreve a Casais Monteiro: "Sou, de facto, um nacionalista místico, um sebastianista racional. Mas sou, à parte isso, e até em contradição com isso, muitas outras coisas." (Continua)
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