sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O dos Castelos - uma análise

“Eis aqui, quási cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,”

Os Lusíadas, III, 20

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O DOS CASTELOS


A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

8-12-1928

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).




     A personificação da Europa é a base do texto, tendo como face mais nítida as referências a partes do corpo humano.
     A primeira estrofe está carregada de informação preciosa: por um lado, a atitude da Europa; por outro, a História da Europa (que é, do ponto de vista do poema, a própria natureza da Europa).
     A Europa assume uma atitude contemplativa, fisicamente inactiva : note-se a repetição do verbo ‘jazer’ (verbo com uma conotação fúnebre), a posição contemplativa de uma pessoa apoiada nos cotovelos e os verbos “fitar” e “lembrar” como únicas acções praticadas por este corpo (ambos os verbos no gerúndio, indicador de aspecto durativo).
A primeira estrofe sintetiza, ainda, um percurso que explicará a natureza da própria Europa. A orientação escolhida pelo sujeito poético para descrever o corpo não é inocente: “De Oriente para Ocidente”. Deste modo, mais do que reforçar o visualismo que nos permite imaginar um corpo humano deitado, o poeta faz uma verdadeira síntese da evolução da cultura europeia, nascida a Oriente, na Grécia, e continuando para Ocidente.
É preciso notar que este caminho em direcção ao Oeste é feito de acumulações e não de perdas e a cultura europeia é, assim, explicada como Lavoisier explicou a natureza: nada se perde. A cultura europeia é feita, portanto, de todos esses elementos que se acumularam ao longo do tempo. É uma cultura compósita que junta os “românticos cabelos” e os “olhos gregos”. A imagem do corpo reforça, então, essa ideia de vários elementos que constituem uma unidade, o corpo é o símbolo dessa aglutinação de culturas que correspondem, no fundo, a uma só.
     A segunda estrofe prolonga o visualismo com as referências a partes do corpo e reforça, ao mesmo tempo, a ideia de uma cultura constituída por elementos diversos, com a indicação de mais dois países. Também aqui é fundamental atentar no pormenor, antecipando uma possível interpretação: o cotovelo em que assenta o rosto poderá constituir uma referência à ligação histórica entre Portugal e Inglaterra.
     Na penúltima estrofe, chega-se, finalmente ao rosto, mais especificamente ao olhar. Antes de atentar no olhar, lembremos que o rosto é a face – passe o pleonasmo – mais visível da identidade do corpo humano. O olhar da Europa é, então, “esfíngico e fatal”, adjectivos que unem mistério e destino. A propósito da esfinge, afirma o Dictionnaire des Symboles: “Le sphynx, au cours de son évolution dans l’imaginaire est venu à symboliser aussi l’inéluctable. Le mot sphynx fait surgir l’idée d’énigme, il évoque le sphynx d’Oedipe: une énigme lourde de contrainte. En réalité, le sphynx se présente au départ d’une destinée, qui est à la fois mystére et nécessité.”
     A Europa vê, então, no Ocidente, o “futuro do passado”, ou seja, o momento presente, correspondente ao culminar dessa viagem que começou no Oriente. Percebe-se, então que o objectivo não era descrever o passado ou aclarar o presente, mas tornar inelutável o momento e, sobretudo, o depositário da síntese, Portugal, o rosto, a identidade da Europa.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Portugal - soneto de Unamuno (1911)






     Aí vai o soneto e a tradução possível. Se algum verdadeiro conhecedor de castelhano quiser manifestar-se, faça o favor.
     O interesse deste poema, como lembram Apolinário Lourenço e Paulo Motta Oliveira, está na proximidade que mantém com "O dos Castelos", abertura de Mensagem.








Portugal



Del atlántico mar en las orillas
desgreñada y descalza una matrona
se sienta al pie de sierra que corona
triste pinar. Apoya en las rodillas

los codos y en las manos las mejillas
y clava ansiosos ojos de leona
en la puesta del sol; el mar entona
su trágico cantar de maravillas.

Dice de luengas tierras y de azares
mientras ella sus pies en las espumas
bañando sueña el fatal imperio

que se hundió en los tenebrosos mares,
y mira cómo entre agoreras brumas
se alza Don Sebastián, rey del mistério.



Do atlântico mar nas orlas
desgrenhada e descalça uma matrona
senta-se ao pé da serra que coroa
triste pinhal. Apoia nos joelhos

os cotovelos e nas mãos as faces
e crava ansiosos olhos de leoa
no pôr-do-sol; o mar entoa
o seu trágico cantar de maravilhas.

Fala de longas terras e de azares
enquanto ela os seus pés nas espumas
banhando sonha com o fatal império

que se afundou nos tenebrosos mares
e vê como entre agoirentas brumas
se alça Dom Sebastião, rei do mistério.


Unamuno, A Águia, Fevereiro de 1911
O soneto foi também integrado na colectânea poética Rosário de sonetos líricos, no mesmo ano.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Mensagem - naufrágios do império




Aqui, poderão encontrar um ensaio muito interessante da autoria de Paulo Motta Oliveira da Universidade de São Paulo. Para chegar à Mensagem, passa por Garrett, Antero, Cesário, Nobre, Sá-Carneiro e Unamuno. Trata-se de um ficheiro pdf que pode ser imprimido.
Num próximo texto, transcreverei o soneto "Portugal" de Miguel de Unamuno e arriscarei uma tentativa de tradução, que me perdoem o autor e os conhecedores de castelhano.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Pessoa - outros caminhos


Se quiserem experimentar esta vereda, têm direito a mais dois brindes maravilhosos, porque há vida para além da Mensagem.

Mensagem - a primeira edição






     Se vierem por aqui, encontramo-nos em 1934, dentro da primeira edição de Mensagem.

Mensagem - na máquina do tempo pelos dedos de Pessoa




     Através desta ligação, é possível entrar na oficina do poeta:

Dactiloscrito a tinta preta com emendas e acrescentos autógrafos a lápis e a tinta preta. - Exemplar encadernado em tecido cinzento, com identificação na lombada. - Primeira versão do título dactiloscrita «PORTUGAL», riscada e substituída pelo título supra, a lápis. - Versão completa, com notas manuscritas para tipografia, que inclui folha de rosto e índice autógrafo a tinta preta, com a mesma tinta da numeração das páginas. - Exemplar adquirido em 1990, com o patrocínio da CNCDP e do Banco Comercial Português. Nota manuscrita sobre anteriores proprietários, na folha de guarda: «Comprado a Antonio Fumaça em 1.10.65. Pertencia ao espólio do Sr. Armando de Figueiredo, da Editorial Império». - Publicado com o título «Mensagem». Lisboa : Parceria António Maria Pereira, 1934.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Mensagem – edição de António Apolinário Lourenço




      Adquiri, recentemente, esta edição comentada da Mensagem cuja leitura se tem revelado agradavelmente útil. Através desta ligação, poderão obter mais algumas indicações sobre o livro (aproveitem a possibilidade de ler o índice e uma parte do livro). Chamo, ainda, a atenção para o facto de cada obra mencionada na bibliografia essencial (pp. 56-59) merecer uma pequena recensão por parte do editor.